Acessibilidade atitudinal, metodológica e programática

Graduada em Gestão de Recursos Humanos pela Uni Sant’Anna e Pós-Graduada em Gestão Pública pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), mais de 17 anos de experiência no Governo do Estado e Prefeitura de São Paulo, desenvolvendo políticas públicas com foco na acessibilidade e inclusão social e profissional das pessoas com deficiência. Secretária Adjunta na Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência da cidade de São Paulo/SMPED.

Acessibilidade e a inclusão profissional das pessoas com deficiência

O trabalho é um direito de todos e não apenas de uma parcela da população, porém, ainda não é uma realidade na vida de muitas pessoas com algum tipo de deficiência e por este motivo, a Lei 8.213 criada em 24 de julho de 1991, determina no art. 93 que empresas com 100 ou mais funcionários reserve de 2% a 5% dos seus cargos para pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados e tem como principal objetivo, garantir o acesso ao mercado de trabalho formal, por meio da valorização das habilidades e das competências de cada cidadão, independente de qualquer característica.

Os dados do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) mostram que 45,6 milhões de pessoas, ou seja, 23,9% da população brasileira têm algum tipo de deficiência, 9,3 milhões estão no Estado de São Paulo e 2,7 milhões no Município de São Paulo, porém, de acordo com a RAIS-2017 (Relação Anual de Informações Sociais), apenas 441.339 estão no mercado formal de trabalho. Os números comprovam que ao contrário do que muitos pensam a dificuldade não está na ausência de pessoas com deficiência, existem outros fatores que precisam ser avaliados e melhor compreendidos, para se perceber que a limitação não está necessariamente na pessoa em razão da deficiência, muitas vezes a dificuldade está no local onde esta pessoa está ou onde ela será inserida, ou seja, são as barreiras que impedem a participação pela e efetiva da população com deficiência em igualdade de condições com as demais pessoas.

São perceptíveis os avanços no processo de inclusão das pessoas com deficiência, porém, ainda há um longo caminho a percorrer, para eliminação das barreiras arquitetônicas, urbanísticas, tecnológicas, no transporte, na comunicação e, sobretudo as barreiras atitudinais, que influenciam negativamente a qualidade do emprego e o desenvolvimento profissional da população com deficiência, sobretudo daqueles, que necessitam de mais adaptações em razão da severidade da deficiência.

De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão – LBI, nº 13.146 de 06 de julho de 2015, as barreiras são entraves, obstáculos, atitudes ou comportamentos que limitem ou impeçam à participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros e está classificada em:

  1. a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;
  2. b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;
  3. c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes;
  4. d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação;
  5. e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;
  6. f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias;

V - comunicação: forma de interação dos cidadãos que abrange, entre outras opções, as línguas, inclusive a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a visualização de textos, o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizados e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, incluindo as tecnologias da informação e das comunicações.

Para eliminar as barreiras e garantir igualdade de oportunidades com equidade, nas relações de trabalho, é fundamental compreender que cumprir o que determina a legislação é mais que uma obrigação legal, precisa ser uma via de mão dupla, pois, todos têm suas responsabilidades (empresa, família, poder público, etc.), também é necessário ter informação e conviver com as características individuais de cada pessoa, para compreender que a deficiência é apenas mais uma entre tantas outras características e que promover acessibilidade melhora e facilita a vida de todas as pessoas e não apenas daquelas que tem algum tipo de deficiência, portanto, para tornar os espaços mais acessíveis, livres de quaisquer barreiras, precisamos refletir sobre as definições, trazidas pela Lei Brasileira de Inclusão, referente a adaptações razoáveis, acessibilidade, Desenho Universal e tecnologia assistiva.

Adaptações razoáveis: adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais;

Acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida;

Exemplos: rampas onde há havia escadas, catraca do metrô mais larga, para passagem de pessoas em cadeira de rodas ou andador.

Desenho universal: concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva;

Exemplo: porta automática do supermercado, hotel, loja e/ou aeroporto, a tesoura que pode ser usada por destros ou canhotos, etc., enfim, o desenho universal é para todos e não apenas para um grupo específico de pessoas.

Tecnologia assistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.

Diversas empresas, públicas e privadas, têm avançado na contratação, nos diálogos e práticas sobre diversidade e inclusão profissional das pessoas com deficiência, mas, infelizmente ainda é comum, a realização de processos seletivos e admissões focadas na deficiência e não na competência das pessoas, é comum a busca por profissionais com determinados tipos de deficiência e com isso, pessoas cegas, surdas, com deficiência intelectual, mental ou usuárias de cadeira de rodas, acabam tendo mais dificuldade de acessar as oportunidades existentes e quando conseguem a tão sonhada vaga, nem sempre lhe é fornecido os recursos necessários para realização das atividades, dificultando assim o seu desempenho e crescimento profissional.

Quando se fala em acessibilidade, é comum as pessoas associarem à palavra a rampa e ao banheiro, ou seja, apenas estrutura física, ficando de fora outros tipos de acessibilidade, igualmente importante, como por exemplo: intérprete de libras nas reuniões, cursos ou treinamentos realizados pela empresa, para facilitar a compreensão e participação das pessoas surdas ou com deficiência auditiva, descrição de imagens e gráficos enviados diariamente por email ou mostrados em apresentações, para permitir que pessoas cegas ou com baixa visão acessem as mesmas informações, materiais e informativos com linguagem simples, objetiva e ilustrativa para facilitar a compreensão de pessoas com deficiência intelectual, sites, propagandas, produtos e serviços acessíveis para diferentes tipos de clientes e colaboradores, são exemplos práticos que permitem garantir acessibilidade metodológica, comunicacional e tecnológica, que podem ser disponibilizados com pouco investimento, porém, se o ambiente não possibilitar o respeito às diferenças, isto é, se não melhorar a acessibilidade atitudinal, dificilmente haverá qualidade, igualdade e equidade na inclusão social e profissional das pessoas.

Acessibilidade metodológica: flexibilização do tempo e utilização de recursos para promover o aprendizado, adaptação de conteúdos, disponibilização de materiais de treinamento em diferentes formatos.

Acessibilidade programática: sensibilização, conscientização, informação, conhecimento e a aplicação dos dispositivos legais e políticas públicas relacionadas à inclusão (leis, decretos, portarias, normas, regulamentos, entre outros).

Acessibilidade atitudinal: mais importante de todas, mudança do olhar, da percepção, ou seja, entender que o trabalhador com deficiência tem várias características e que a deficiência é apenas uma delas e por isso é importante conhecer o potencial e parar de olhar apenas para a deficiência.

É sabido que ainda não existe a condição de pleno emprego para todos os brasileiros com deficiência e que ainda são muitos os desafios, mas, graças à presença dos profissionais com deficiência no mercado de trabalho, surgem constantemente novas metodologias, novas tecnologias e políticas públicas que permitem ampliar as possibilidades para inclusão desta parcela significativa da população brasileira. Entre algumas iniciativas, destaco a Central de Intermediação em Libras - CIL, o Selo de Acessibilidade Digital, o Contrata SP e o Programa de Estágio para Estudantes com Deficiência, ambos da Prefeitura de São Paulo.

Central de Intermediação em Libras (CIL): Disponível em três modalidades de atendimento (presencial, in loco e via aplicativo), o serviço realiza a mediação na comunicação entre pessoas com deficiência auditiva, surdos e surdocegos no atendimento em qualquer serviço público instalado na cidade de São Paulo;

Selo de Acessibilidade Digital: Certifica sítios e portais eletrônicos que cumprem com critérios de acessibilidade estabelecidos nacional e internacionalmente, facilitando à navegação e o acesso a informação, a todo e qualquer cidadão;

Contrata SP – Pessoa com Deficiência: Feira de emprego, realizada com o objetivo de aproximar profissionais com deficiência, reabilitados do INSS e empresas com 100 ou mais empregados e eliminar o argumento que tenta justificar a não contratação a ausência de candidatos com deficiência;

Programa de Estágio para Estudantes com Deficiência: Tem como principal objetivo ampliar a inserção de estudantes com deficiência nas vagas de estágio da administração pública municipal e após o término do estágio, facilitar a inclusão desse grupo no mercado de trabalho formal.

Todos os avanços deixam claro que o trabalho significa dignidade e auto-estima para qualquer cidadão, mas para muitas pessoas com deficiência, é a partir da inclusão no mercado de trabalho, que ela descobre que é plenamente capaz, que é produtiva, que pode exercer diferentes funções no ambiente corporativo e na sociedade. A contratação de pessoas com deficiência pode exigir condições diferenciadas, como promover a acessibilidade no posto e nas condições de trabalho, mas certamente, o investimento é pequeno frente a todos os benefícios que se obtém com a presença da diversidade humana, dentro e fora das empresas.

REFERÊNCIAS

  • Acessibilidade arquitetônica e urbanística: Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA);
  • Acessibilidade tecnológica/digital: Decreto Municipal nº 49.063, de 18 de dezembro de 2007, que institui o Selo de Acessibilidade Digital no Município de São Paulo;
  • Acessibilidade comunicacional: Central de Intermediação em Libras (CIL)

BIBLIOGRAFIA

Lei brasileira de Inclusão (LBI), nº 13.146 de 06 de julho de 2015;

Norma técnica para Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. NBR 9050 de 2015;

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional de Reabilitação (Reação), São Paulo, Ano XII, mar./abr. 2009, p. 10-16;

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Censo 2010;

Relação Anual de Informações Sociais – RAIS 2017.