Abordagem da deficiência pelo modelo social de Direitos Humanos e dimensões da acessibilidade

Romeu Kazumi Sassaki vem trabalhando desde a década de 60 no campo da pessoa com deficiência (reabilitação profissional, colocação laboral etc.), realizando atendimentos, palestras, cursos e consultorias. Em 1988, introduziu no Brasil a metodologia do emprego apoiado e, em 2014 até 2018, foi o presidente da Associação Nacional do Emprego Apoiado (Anea). Em 2007, foi o tradutor oficial da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Recentemente foi o tradutor oficial dos livros "Ação Sindical sobre o Trabalho Decente das Pessoas com Deficiência: Um Panorama Mundial” (Organização Internacional do Trabalho) e “Promovendo a Diversidade e a Inclusão Mediante Adaptações no Local de Trabalho: Um Guia Prático". (Organização Internacional do Trabalho).

Considerações sobre o Modelo Social da Deficiência

"O modelo social da deficiência focaliza os ambientes e barreiras incapacitantes da sociedade e não as pessoas com deficiência" (FLETCHER,  1991). Ele foi formulado por pessoas com deficiência, entre elas Agnes Fletcher, no início da década de 90.

 

O Modelo Social da Deficiência inspirou a formação do conceito “exclusão zero”, que consiste em não excluir uma pessoa para qualquer finalidade, por ex., emprego, educação, em razão de etnia, cor, orientação sexual, gênero, deficiência ou qualquer outro atributo pessoal (ALONSO & RÍO, 1993).

O Modelo Social da Deficiência se fundamenta nos conceitos de “direitos humanos” e “equiparação de oportunidades”.

A ONG Disabled Peoples’ International (1981) divulgou o seguinte posicionamento seu sobre o conceito “equiparação de oportunidades”:

 

Os sistemas gerais da sociedade, tais como o meio físico, a habitação e o transporte, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades de educação e trabalho, e a vida cultural e social, incluídas as instalações esportivas e de recreação, são feitos acessíveis para todos (DISABLED PEOPLES’ INTERNATIONAL, 1981).

                          

Comparação entre os Modelos Médico e Social da Deficiência

 

Podemos ter uma rápida ideia correta sobre a diferença entre os chamados Modelos Médico e Social, nos seguintes termos:

Modelo Médico da Deficiência + Barreiras na empresa comum = A pessoa com deficiência fica parcialmente ou totalmente “incapacitada” para trabalhar.     

Modelo Social da Deficiência + Eliminação de barreiras na empresa comum = Possibilidade para a pessoa com deficiência usar até 100% da sua “capacidade” de trabalhar.

O nome Modelo Médico da Deficiência foi criado como analogia aos procedimentos de um típico atendimento médico, nos quais uma determinada doença acomete uma pessoa e compete aos profissionais da medicina “tratar, remediar, curar essa doença (considerada um problema”). A analogia está em entender que a doença, que está na pessoa adoentada, é o problema a ser resolvido. Deste modo, sempre que se falava em “pessoa com deficiência”, entendia-se que essa “deficiência” era como uma “doença” que a medicina tratava de solucionar.

Como eliminar as barreiras no local de trabalho, cumprindo o que o Modelo Social da Deficiência determina?

Para a Organização das Nações Unidas, cada país-membro do Sistema ONU deverá: “Assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,  2006). Para cumprir esse ditame, pode ser executado um sem número de adaptação razoável, cuja definição consta no citado documento da ONU, conforme segue: 

“Adaptações razoáveis são “modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2006; e BRASIL, 2008, 2009, 2015).

Como estão o local e o entorno onde o trabalhador com deficiência quer ser contratado?

Para o Modelo Social da Deficiência, o problema da colocação laboral de pessoas com deficiência reside nos sete tipos de barreiras existentes nas empresas em geral. Então, a solução para este problema é eliminar as tais barreiras.

As sete dimensões da acessibilidade são as seguintes:

  1. DIMENSÃO ARQUITETÔNICA
  2. DIMENSÃO METODOLOGICA
  3. DIMENSÃO INSTRUMENTAL
  4. DIMENSÃO COMUNICACIONAL
  5. DIMENSÃO PROGRAMÁTICA
  6. DIMENSÃO ATITUDINAL
  7. DIMENSÃO NATURAL

          Dentro de cada dimensão, encontramos as suas barreiras e as suas acessibilidades, que podem existir em quaisquer áreas de atividade onde estejam presentes as pessoas com deficiência. Por exemplo, na área de atividades laborais, são as seguintes as acessibilidades (SASSAKI, 2010):

          Acessibilidade arquitetônica – sem barreiras ambientais físicas no interior e no entorno dos escritórios e fábricas e nos meios de transporte coletivo utilizados pelas empresas para seus funcionários.

          Acessibilidade metodológica – sem barreiras nos métodos e técnicas de trabalho (treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, execução de tarefas, ergonomia, novo conceito de fluxograma, empoderamento etc.).

          Acessibilidade instrumental – sem barreiras nos instrumentos e utensílios de trabalho (ferramentas, máquinas, equipamentos, lápis, caneta, teclado de computados etc.).

          Acessibilidade comunicacional – sem barreiras na comunicação interpessoal (face a face, língua de sinais, linguagem corporal, linguagem gestual etc., na comunicação escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila etc.), incluindo textos em braile, textos com letras ampliadas paa quem tem baixa visão, notebook e outras tecnologias assistivas para comunicar) e na comunicação virtual (acessibilidade digital).

          Acessibilidade programática – sem barreiras invisíveis embutidas em politicas (leis, decretos, portarias, resoluções, ordens de serviço, regulamentos etc.).

          Acessibilidade atitudinal – sem preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações, como resultado de programas e práticas de sensibilização e de conscientização dos trabalhadores em geral e da convivência na diversidade humana nos locais de trabalho.

          Acessibilidade natural – sem barreiras nos espaços criados pela natureza e existentes em terras e águas de propriedades públicas ou particulares (SASSAKI, 2019 no prelo).

Onde buscar boas soluções para implantar adaptações razoáveis no local de trabalho

Há um excelente livro atual que oferece bons e inúmeros exemplos reais de adaptação razoável no local de trabalho, obtidos em uma pesquisa mundial realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2016-2017. O livro se intitula “Promovendo a diversidade e a inclusão mediante adaptações no local de trabalho: Um guia prático”, publicada em papel (OIT, 2017) e em versão digital (SANTA CAUSA BOAS IDEIAS & PROJETOS, 2019). Apresentamos abaixo a capa do citado livro. 

Pessoas interessadas em ler a versão digital poderão fazer o download gratuito, acessando o seguinte link: http://blogstacausa.com.br/ebooks/

 

REFERÊNCIAS

 

ALONSO, Miguel Ángel Verdugo & RÍO, Cristina. El empleo con apoyo: una nueva posibilidad laboral para personas con discapacidad.        Salamanca: 1993.

BRASIL. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Brasília: SNPD, 2007.

___. Decreto n. 6.949, de 25/8/2009. Promulga a Convenção sobre os Direitos     das Pessoas com Deficiência.

-----. Decreto Legislativo n. 186, de 9/7/2008. Ratifica a Convenção sobre os         Direitos das Pessoas com Deficiência.

___. Lei n. 13.146, de 6/7/2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa           com Deficiência – LBI (O art. 3°, inciso VI define o conceito “adaptações razoáveis”). 

DISABLED PEOPLES’ INTERNATIONAL. Equiparação de oportunidades       (1981). In: SASSAKI, Romeu. Inclusão: construindo uma sociedade para           todos. 8ª ed. Rio de Janeiro: WVA, 2010, pp. 38-39.

FLETCHER, Agnes. Ideias práticas em apoio ao Dia Internacional das Pessoas com Deficiência: 3 de dezembro (1991). São Paulo: Prodef/Apade, 1996.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Artigo 27, parágrafo 1-i. Adotada pela          Assembleia Geral da ONU, em 13/12/2006.

SANTA CAUSA BOAS IDEIAS & PROJETOS, 2019. Promovendo a       diversidade e a inclusão mediante adaptações no local de trabalho:       Um guia prático. São Paulo: Santa Causa Boas Ideias & Projetos,    2019. 

SASSAKI, Romeu. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 8ª ed. Rio de Janeiro: WVA, 2010, pp. 27-96 e 67-68.

 

PARA SABER MAIS

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Ação sindical sobre o    trabalho decente das pessoas com deficiência: Um panorama        mundial. Osasco: Espaço da Cidadania, 2017.

___. Promovendo a diversidade e a inclusão mediante adaptações no      local de trabalho: Um guia prático. São Paulo: Santa Causa Boas Ideias & Projetos, 2019 (edição digital).