Acessibilidade nos meios de comunicação audiovisual

Mauricio Santana, é graduado em Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda e Pós-Graduado, lato senso, em Marketing, ambos pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Com uma vivência profissional maior no campo do audiovisual, trabalhou por muitos anos em emissoras de rádio e televisão, atuou como técnico de laboratório de rádio e televisão da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) por mais de 11 anos, e posteriormente como professor universitário desta mesma instituição e de outras, por mais de 8 anos. Fez parte do corpo docente do primeiro curso de Pós-Graduação em Audiodescrição da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG. Com mais de 30 anos de experiência no campo da Comunicação, é audiodescritor, produtor de acessibilidade audiovisual e desde de 2008 atua como sócio-diretor da Iguale Comunicação de Acessibilidade, uma empresa pioneira criada exclusivamente para pensar e desenvolver soluções em comunicação para pessoas com algum tipo de deficiência.

Acessibilidade nos meios de comunicação audiovisual

Processo social fundamental nas relações humanas, a comunicação, que vale salientar, pode ser verbal e não verbal, é considerada por muitos estudiosos da área, como uma das questões vitais para os seres humanos, portanto, antes de tratarmos especificamente do tema central deste artigo, ou seja, dos recursos de acessibilidade para os meios de comunicação audiovisual, proponho entendermos primeiro, e resumidamente, o conceito e o processo de comunicação.

          Segundo Strocchi (2007),
Comunicar significa transmitir, tornar participante, entrar em contato com os outros,realizar uma das tarefas vitais do indivíduo. Comunicando, transmitem-se informações por meio de mensagens, utilizado um código. 

          A relação entre emissor e receptor, e a troca de uma determinada informação que acontece entre esses interlocutores, é a base de um processo comunicacional. Numa ponta, o emissor transmite uma determinada mensagem, que pode ter diferentes formas: escrita, visual, em forma de áudio ou audiovisual, entre outras. Essa mensagem através de um determinado canal, um determinado meio de comunicação, como: rádio, televisão, impresso, internet ou outro, chega até o receptor, estabelecendo, portanto, uma COMUNICAÇÃO.

Mas como esse processo tem relação com a acessibilidade?

          Em muitas situações, dentro desse fluxo, podemos encontrar o que chamamos de barreiras comunicacionais, e algumas deficiências como a visual, a auditiva, a deficiência intelectual e outras, podem ser consideradas um tipo de barreira comunicacional, quando impedem que uma determinada mensagem chegue com integridade até o receptor.

          Imaginando que esta pessoa, este receptor, tenha uma deficiência visual, por exemplo, que permite que ele ouça uma mensagem em áudio, mas o impede de ter acesso pleno a uma informação audiovisual, tem-se, para esta pessoa que não pode enxergar, uma barreira comunicacional estabelecida. Dentro desse cenário, então, chegamos ao núcleo do nosso tema que é: acessibilidade comunicacional.

          Seguindo o mesmo fluxograma do processo de comunicação, quando temos então essa barreira estabelecida por algum tipo de deficiência, precisamos encontrar mecanismos para transpô-la, fazendo a mensagem chegar ao receptor, e permitindo que esta pessoa receba o mesmo conteúdo, a mesma informação, que uma pessoa sem deficiência esteja recebendo. E para isso, utilizamos tecnologias assistivas, como os recursos de acessibilidade audiovisual, que vamos abordar a partir de agora.

          De acordo com o Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), temos o seguinte conceito estabelecido:

“Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.”  - (Comitê de Ajudas Técnicas, Corde/SEDH/PR, 2007).

          No campo do audiovisual, temos três principais recursos de acessibilidade: Audiodescrição (AD), Legenda Para Surdos e Ensurdecidos (LSE) e Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)

          Vamos entender um pouco mais sobre esses recursos de acessibilidade audiovisual, começando pela audiodescrição, e por favor, não confunda com autodescrição, que o próprio nome já explica o seu significado.

Mas o que é AUDIODESCRIÇÃO?

          É um modo de tradução audiovisual intersemiótica - do visual para o verbal - da imagem para a palavra - que descreve com o máximo de detalhes possíveis as ações e os elementos visuais de uma obra, como uma foto ou um filme, e que, sem os quais, uma pessoa com deficiência visual não compreenderia.

          No campo audiovisual, a audiodescrição interage de acordo com os espaços oferecidos entre os diálogos dos personagens, seja num filme, num programa de televisão ou num espetáculo teatral, e é um recurso fundamental para o acesso à informação, para a inclusão sociocultural e autonomia das pessoas com deficiência visual e de outros públicos, como pessoas com deficiência intelectual, dislexia e até mesmo pessoas idosas que podem não ter mais uma boa visão.

          Aproveito para deixar uma dica: descreva os vídeos e as imagens que você publica nas redes sociais. Esta é uma simples e importante atitude que está crescendo a cada dia nas redes, inclusive sendo incorporada por muitas empresas em seus canais com as hashtags: #pracegover, #pratodomundover e #pratodosverem. Sugiro que pesquise um pouco mais sobre essa iniciativa.

          Outro recurso de acessibilidade audiovisual presente nos conteúdos televisivos, no cinema e também no teatro, é a LSE ou Legenda Para Surdos e Ensurdecidos. Mais popularmente conhecida como Closed Caption na área da televisão e, no campo do cinema, como Legendas Descritivas. Esse recurso incluí as pessoas com deficiência auditiva, alfabetizadas e usuárias da língua portuguesa, possibilitando o acesso aos elementos sonoros de um produto audiovisual, através da escrita.

          Se a Audiodescrição transforma imagens em sons, a LSE transforma sons em textos. É uma legenda com todas as indicações do áudio original do filme e que também apresenta a tradução dos ruídos, efeitos e trilhas sonoras, informando inclusive o estilo e/ou intenção da música, como por exemplo: música de suspense ou música romântica. Esse tipo de legenda inclusiva pode ser “fechada” (Closed Caption), quando apresenta opção de habilitá-la ou não, no caso das transmissões de TV, por exemplo, ou pode ser “aberta” (Open Caption), ou seja, disponibilizada para todo o público, sem opção de desabilitá-la, podendo ser aplicada na imagem, como vemos comumente nos filmes ou projetada em pequenas telas, como nos espetáculos teatrais e óperas.

          Importante destacar que as legendas não atendem somente ao público com deficiência auditiva, e pode ser útil também em muitas situações em que as pessoas são consideradas "surdas temporárias", como em academias, restaurantes e outros ambientes com muito barulho e de grande circulação de público.

          Uma experiência interessante que sugiro, é que assista a um episódio da sua série preferida sem volume nenhum. Importante para entender como a informação sonora é fundamental no meio audiovisual.

          Por fim, vamos falar da LIBRAS, a Língua Brasileira de Sinais. E aqui ressalto uma questão muito importante. Como o próprio nome diz, a LIBRAS não é linguagem e sim uma língua, como a língua portuguesa, porém uma língua de modalidade gestual visual, e a comunicação se dá a partir da tradução dos sons em sinais e gestos, considerando inclusive as expressões faciais.

          A LIBRAS normalmente está presente no conteúdo audiovisual da televisão e vídeos, de forma gravada e com o tradutor-intérprete aparecendo, no espaço que conhecemos popularmente como “janela de LIBRAS”, que é aquela imagem menor, normalmente localizada no canto inferior direito do quadro e sobreposta a imagem principal. De acordo com a ABNT NBR15290:2005, que trata da acessibilidade em comunicação na televisão:

  1. a) a altura da janela deve ser no mínimo metade da altura da tela do televisor;
  2. b) a largura da janela deve ocupar no mínimo a quarta parte da largura da tela do televisor;

          No teatro, palestras e workshops, é comum a presença do profissional intérprete de LIBRAS em loco, ao lado do palco ou da pessoa que está palestrando.

          E por que é importante considerarmos dois recursos, legendas e LIBRAS, quando falamos de acessibilidade audiovisual para o público com deficiência auditiva? Exatamente porque temos dois públicos: o alfabetizado e usuário da Língua Portuguesa e o alfabetizado e com mais domínio da Língua Brasileira de Sinais.

INCLUSÃO COM ACESSIBILIDADE NO TRABALHO:
UM PRODUTO AUDIOVISUAL ACESSÍVEL DESDE O ÍNICIO

          Um bom exemplo de conteúdo audiovisual acessível, pode ser esse nosso projeto das videoaulas, que desde o princípio foi pensado como um produto para todos, ou seja, com conteúdo audiovisual acessível.

          Todas as informações visuais, desde a vinheta de abertura, passando pelas imagens até os créditos finais, foram audiodescritas para que as pessoas com deficiência visual possam ter garantido a mesma informação que outras pessoas sem deficiência têm. Nesse caso, os docentes foram instruídos a descrever ou deixar um tempo disponível para a audiodescrição, quando utilizassem, por exemplo, imagens ilustrativas em suas aulas.

          O processo de produção da audiodescrição inicia-se com um roteiro descritivo, criado por um profissional que chamamos de audiodescritor-roteirista. Esse roteiro finalizado passa, então, por uma consultoria e revisão de um profissional com deficiência visual, que valida ou ajusta as informações descritas e, só depois, é que iniciamos o processo de gravação com um audiodescritor-narrador. As etapas seguintes são da edição e tratamento de áudio, mixagem com o áudio original e aplicação desse áudio final no arquivo de vídeo.

          Esse mesmo cuidado também acontece na produção das Legendas para Surdos e Ensurdecidos, que têm seu início com a transcrição de todos os diálogos e falas contidos no filme, no nosso exemplo, contidos na vídeoaula. Depois dessa etapa, passamos para "segmentação", que consiste na edição de texto e divisão técnica das legendas para adequação de sincronismo, exposição e tempo de leitura. Juntamente com essa etapa de segmentação, acontece a tradução dos sons em palavras, realizada por um profissional que tem como objetivo entender dentro do contexto sonoro, o que é necessário traduzir para que a pessoa com deficiência auditiva possa ter total compreensão da mensagem. A "marcação" de entrada e saída de cada legenda, em sincronismos com as falas do vídeo, é a etapa seguinte. Depois passamos também por uma revisão, até a etapa de finalização, que pode ser "aberta", já aplicada no vídeo, como as legendas desse projeto, ou "fechada", mais conhecida como closed caption, como já mencionado, e que possibilita ser ocultada ou habilitada por quem necessita do recurso. Por questões técnicas é mais frequente na televisão e atualmente presente também nas plataformas YouTube e Netflix, por exemplo.

          A LIBRAS, também tem em seu processo de produção, várias etapas e profissionais envolvidos. Inicialmente é realizado um estudo da obra e adaptação da linguagem escrita para a gestual, por uma dupla de trabalho formada por um profissional tradutor-intérprete de LIBRAS e por um consultor, profissional com deficiência auditiva. A etapa seguinte é a da gravação do conteúdo, e nessa etapa, além da equipe técnica e obviamente o tradutor-intérprete, o profissional com deficiência auditiva, acompanha e valida a sinalização que está sendo gravada. Podemos dizer que é uma espécie de diretor de gravação de LIBRAS. Depois disso, temos os processos de edição e tratamento de imagem e, por fim, aplicação do que conhecemos por "Janela de LIBRAS". Nesse caso as videoaulas, optamos por não usar um quadro delimitador e ampliamos um pouco mais a imagem do intérprete no vídeo, que é uma opção bem interessante e funcional.

          Barreiras comunicacionais são agentes excludentes do ponto de vista social, educacional e cultural, portanto, podem e devem ser transpostas com a implementação de tecnologias assistivas e de recursos de acessibilidade, como a Audiodescrição, a LSE (Legendas Para Surdos e Ensurdecidos) e a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). Importante lembrar que esses recursos, apesar de distintos, tem o mesmo objetivo: incluir e proporcionar o acesso da pessoa com deficiência, com autonomia, a todas as informações contidas em um produto audiovisual.

REFERÊNCIAS

  • Portaria nº 310 de 27 de junho de 2006. Aprova a Norma Complementar nº 01/2006 - Recursos de acessibilidade, para pessoas com deficiência, na programação veiculada nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e de retransmissão de televisão.

  • Instrução Normativa Ancine nº 116 de 18 de dezembro de 2014. Dispõe sobre as normas gerais e critérios básicos de acessibilidade a serem observados por projetos audiovisuais financiados com recursos públicos federais geridos pela ANCINE; altera as Instruções Normativas nº 22/03, 44/05, 61/07 e 80/08, e dá outras providências.

  • Instrução Normativa Ancine nº 128 de 13 de setembro de 2016. Trata da obrigação de provimento de recursos de acessibilidade visual e auditiva nas salas comerciais de cinema.

  • Blog da Audiodescrição (http://www.blogdaaudiodescricao.com.br)

  • MOTTA, L.M.V. e ROMEU FILHO, P. (orgs): Audiodescrição: Transformando Imagens em Palavras. Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, 2010.

 

BIBLIOGRAFIA

STROCCHI, Maria Cristina. Psicologia da comunicação: manual para estudo da linguagem publicitária e das técnicas de venda. São Paulo: Paulus, 2007.

Norma técnica para Acessibilidade em comunicação na televisão. NBR 15290 de 2005;

Lei brasileira de Inclusão (LBI), nº 13.146 de 06 de julho de 2015;